dreamcatcher

Essa manhã recebi várias informações através de um sonho que agora me empenho para decifrar:

* Eu estava num lugar que poderia ser a entrada do prédio do Carlos e da Christina de Laet. Com eles, também estavam a Christiana e o seu marido, Gustavo. Na descida da escadaria para um local que poderia ser a representação da Avenida Rui Barbosa com o Aterro mais adiante, local inclusive que tem um quê de déja-vu, acredito que já ter aparecido num sonho anterior, minha mãe se junta a mim.

* minha primeira e mais racional interpretação foi de que transportei para o sonho uma ideia que me ocorreu de perguntar para a Christiana se o apartamento da filha que está morando em Londres está vazio, uma vez que estou passando um certo perrengue aqui com a mal humorada da Dragica e deduzi que a filha devia ter voltado para o Rio com o crescimento da pandemia aqui na Europa. Minha leitura ainda faz mais sentido porque certa vez aluguei o studio da Christina e do Carlos em Paris

*Ao sair/sairmos desse encontro (minha mãe se juntou a mim na escadaria) e procurarmos um táxi, minha mãe começa a desfalecer nos meus braços, uma frase que cunhei ao descrever como minha mãe começou a morrer nos meus braços, naquela tarde, na rua Visconde de Pirajá, na saída do consultório de um médico (que não se dignou a pegar o elevador para socorre-la)

*Ela desfalece num platô da escadaria, eu tento medir a pulsação no pescoço (como tinha assistido na noite anterior num filme de James Bond) e, sem muita certeza, acredito que ela esteja morta. Aqui tenho que abrir um parênteses: quando ela esteve internada no CTI, depois de alguns dias sem melhora, pedi ao médico que me desse um prognóstico sincero.Ele respondeu que, se ela melhorasse a ponto de receber alta, teria outras internações paliativas pois o estado geral era muito frágil.
A partir daquela informação, eu “decidi” que, naquele caso,  seria melhor que ela morresse porque assim terminaria aquele sofrimento para ela e para nós, os filhos. Alguns dias depois foi exatamente o que aconteceu.
Eu, de uma forma completamente irracional, me senti responsável pela morte da minha mãe. Senti, realmente, como se o meu pensamento tivesse o poder de interromper a vida dela e de alguma maneira esse sentimento ainda perdura. Então, quando os médicos chamaram a mim e ao meu irmão naquela sala para dar a notícia de sua morte, meu sentimento ainda hoje é de dizer: “Quem autorizou?!! Eu ainda estava pensando, não era para ela ter morrido, eu ainda não tinha tomado nenhuma decisão”.
Não falei nada disso porque minha mente é racional, mas meu sentimento, muito intenso, foi exatamente esse. Quando eles anunciaram o fato, foi como se eu ainda tivesse a opção de desfazer aquela atitude precipitada que no momento eu atribui a eles, os médicos. Me lembro que meu irmão ficou com cara de abestado e eu perguntei pra ele: “Você entendeu o que eles acabaram de dizer?”. Isso porque os médicos usam eufemismos, não dizem como Albert Camus, em “O Estrangeiro”: “Sua mãe morreu”.
Para mim, naquele momento, a morte da minha mãe era 100% reversível. É como se eu não tivesse ouvido aquela bobagem. Eles que voltassem lá no CTI rapidinho e revertessem o quadro trazendo-a de volta à vida.

Prosseguindo no sonho, agora ela será velada:

O sonho prossegue nesse local do velório. O fato é que deixei o corpo da minha mãe em cima de uma mesa própria para apoiar caixão, numa das salas de velório, sem a menor compostura. Intuitivamente, a morte dela não era definitiva. Não cobri o corpo, não fiz nada. Deixei lá, sozinho, provisoriamente.

Minha impressão, já acordada (posso estar errada), é de que outros enredos se misturaram nesse momento do sonho: uma cantora famosa e madura (não vou citar o nome), que já namorou e casou com rapazes bem mais novos, está nua e quer porque quer transar com um rapazinho lindíssimo. Ela o convence a pegar um veleiro parado numa espécie de marina contígua à entrada da capela do Cemitério São João Baptista, em Botafogo. Ela é super sarada, bronzeada, está com uma garrafa de champagne e avança sem meias palavras pra cima do rapaz que a evita a todo custo. Ela insiste, pergunta se não a deseja, mas ele explica que tem uma namorada a quem ama. Ela tem uma cabeleira leonina, longa e volumosa. Impossível não confundi-la com uma sereia e a ele com Odisseo, porém mais casto e ingênuo. Mas ela não desiste e continua a assedia-lo fisicamente. À certa altura aparece, como uma projeção, uma figura que poderia ser a Fernandinha Gentil, como a namorada do rapaz que se enredou no canto da experiente sereia. Como o namorado, a projeção é atlética, esportiva e dourada pelo Sol. A cantora-sereia também é bronzeada.

* outros trechos do sonho parecem entrecortar essa parte do solitário velório da minha mãe. Na vida “real”, eu também cheguei tarde ao velório dela e encontrei amigos como Ascânio, Armando Strozenberg e João a minha espera. De fato, não fui velar o corpo da minha mãe naquele momento, embora após a morte dela, ainda no CTI, eu tenha cortado suas unhas e hidratado a pele de seu corpo sem vida com óleo de amêndoas perfumado da L’Occitane que nunca mais tive coragem de comprar.

* uma situação no espaço sideral que não consigo me lembrar exatamente, leva a nave ou o equivalente a isso a se desintegrar obrigando o único sobrevivente ou ocupante, não está claro, a voltar à Terra. Ele vem caindo pelo espaço sem nenhum equipamento em direção à Terra. Eu, na posição de espectadora, também estou no espaço mas, como ele, em contato com a Terra. Ele está livre, sem ou com pouco equipamento, e vem de muito além da nossa Via Láctea. Vem de um espaço muito longínquo e profundo. Em determinado momento, seu para-quedas começa a se abrir. O astronauta devia ser uma espécie de repórter-astronauta porque o contato dele na Terra é uma espécie de editor. Deve ser um repórter-sideral.
Em outro ângulo desse enredo, ainda com o corpo da minha mãe em cima de uma mesa sem nenhuma flor ou providência arranjada, surge um editor-chefe (editor de outro editor), me cobrando a matéria do astronauta que desceu de para-quedas para a capa de um jornal de bairros. Eu argumento que minha mãe acabara de morrer e ainda não fora enterrada, mas ele retruca que não quer saber de desculpas. Vai lá reclamar com o editor dos bairros que ele deve ser mais incisivo comigo. Mas aí me lembro que um astronauta caindo de para-quedas não é para o jornal de bairros e ele aceita a argumentação. De repente, mudo de posição e passo a personagem sendo fotografada por Ascânio, que tem um assistente. Pergunto se ele passou de diretor para fotógrafo, mas ele se ofende com a observação. Nisso, vou para uma espécie de barzinho encontrar amigas para descontrair e encontro Saskya e Marina Vianna.
Volto para a capela, que se ampliou para um conjunto. Abre-se um grande salão com porta dupla por onde vão entrando vários caixões cobertos por lençóis. Num deles está Carlos Vereza que ao mesmo tempo está vivo e a quem pergunto o que está acontecendo. Quando ele vai começar a me explicar, volto ao lugar onde o corpo da minha mãe está deitado e noto que ele ainda tem vida. Acordo.

Era uma vez uma linda Princesa chamada Sofia. Sofia adorava ficar no seu cantinho sonhando, por isso não estava com a menor vontade de sair do aconchego do útero de sua mãe onde esteve por mais de nove meses formando seu corpo e sua imaginação. Precisou ser retirada a fórceps daquele lugar escuro e quentinho, onde se conectava através do coração com outros corações espaço afora. De mais a mais, Sofia sabia (pois ouvia tudo do útero e não era boba) que sua mãe estava sonhando em dar à luz a um lindo principezinho louro de olhos azuis. Ela não entendia de onde sua mãe pretendia tirar esses genes, mas tinha mais no que pensar. Quando chegou a essa dimensão encontrou um enxoval todo branco e azul claro e azul se tornou sua cor preferida. Mamãe ficou decepcionada quando viu uma menina, mas fez questão de disfarçar e colocar um sorriso nas lábios. Mamãe estava com mais de 30 anos e, para a época em que a princesa Sofia nasceu, era uma gravidez tardia.
A mãe da princesa Sofia não era uma rainha condecorada com aliança de casamento, era uma mãe solteira. O pai de Sofia era casado, mas com outra mulher. Claro que a Princesa Sofia não sabia nada dessa história e cresceu ouvindo as versões que lhe contavam. A linda princesinha passou seus primeiros anos de vida num confortável castelinho ao lado da mãe e da avó materna. Ela era cercada de carinho e tinha quase todos seus desejos realizados. Foi para a escola antes dos três anos e tinha medo de ser machucada pelas crianças maiores que corriam durante o recreio.
Sua personalidade era um misto de tímida e rebelde, se é que isso é possível. Mas assim era. Obediente ela nunca foi. Seu primeiro trauma de infância foi ao falar quando deveria calar e a professora lhe tirou o prêmio de um sorteio. Mas professoras podem fazer isso com princesas?! Nesse caso, foi exatamente o que aconteceu. A mãe da princesa foi numa loja de brinquedos e deixou a Princesa Sofia escolher o que ela quisesse, mas a princesinha queria porque queria a mobília de caixa de fósforo que havia ganhado (e perdido) no sorteio. Ela nunca mais se esqueceu daquela punição injusta e daquele dia em diante decidiu que ia falar tudo o que quisesse, quando quisesse, já que fora punida por se expressar.

Chamo de fluxo de consciência o que a psicanálise chama de associação de ideias. Seja escrito ou gravado (áudio ou áudio-visual). Uma livre associação não só de ideias mas principalmente de sentimentos e emoções. Essa associação faz parte do meu processo criativo e de autoconhecimento.

O que mais me empolga é o fluxo de sentimentos que tenho ultimamente quando estou despertando. Acordar, para mim, é um processo longo. Me dou tempo de meditar, me inspirar e me centrar antes de levantar da cama.

Há alguns anos, minhas inspirações surgiam quando eu estava lendo e quase adormecendo. Queria poder escrever meus sentimentos. Mas se eu voltasse ao estado de alerta para escrever a inspiracao se dissipava. Com a mesma facilidade com que se dissipam os sonhos ao acordar. Então aqueles insights atravessavam a leitura até se sobrepor completamente e eu cair no sono. Ou no sonho, outra forma deliciosa de entrar em contato comigo mesmo.

Também pratico um processo de fluxo de consciência, esse no estado de alerta, que chamo de labirontoautobiografia. Esses são processos de busca ligados ao meu Eu interior, inconsciente, não ao meu ego.

Essa é minha coleção da La Pléiade. Mas também tenho completa em Português

Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, foi um divisor de águas na minha vida. Cheguei a dividir o mundo entre as pessoas que leram e as que não leram essa obra. Não sei se é possível simplesmente ler essa obra-prima sem senti-la, de todo modo não estou falando de ler “mecanicamente”, estou falando de sentir os sentimentos daquelas personagens, com suas dores e encantamentos.
Uma obra para transformar a vida de quem se dispuser a entrar nessa jornada. Comecei a ler em 2013, sozinha, e em 2014 me juntei a um grupo que concluiu a leitura em 2016.
Escrevendo agora essa data, me atento à coincidência: justamente em 2016, quando estava concluindo a leitura do sétimo volume, me senti muito estranha. No dia do meu aniversário de 55 anos, acordei sozinha num quarto de hotel em Palo Alto me sentindo muito estranha. No dia anterior já havia passado a tarde no hospital de Stanford tentando diagnosticar uma dor no pé. Só que acabei topando com um médico surfista lindo e bronzeado. Quando levantei o olhar e dei de cara com aquele deus musculoso e dourado com olhos turquesa paraíba tive um ataque de riso de puro nervosismo. Quem achar que eu estou exagerando o nome dele é Davi Pomeranz, podem conferir, aquela beleza ainda dura pelo menos uns 20 anos.
Em 2015 já havia feito um movimento de saída do Brasil me candidatando a uma bolsa de 10 meses em Stanford. Não foi apenas pela intenção de sair do Brasil (de dar um outro sentido à vida?)que me candidatei.Sou, de fato, sou uma jornalista apaixonada por esse ofício que atualiza suas ferramentas mas conserva sua essência primordial que é fundamentalmente coletiva, social, voltada para a vida em sociedade, para a justiça e o bem estar individual e coletivo. Eu tenho esse amor pelo coletivo, por aquele que eu não posso tocar mas que estou tocando de uma forma indireta, como se para evitar o envolvimento, o apego. #workinprogress

Estava aqui pensando no significado de se tornar e, por algum motivo desconhecido por mim, devenir pulou na frente, na minha memória, embora eu estivesse escrevendo em Português Brasileiro. Pode parecer desnecessário, sendo eu uma brasileira,  especificar que o Português que eu falo é Brasileiro (por que não botar nosso Brasileiro em caixa alta?). Os franceses, por exemplo, dizem que nós falamos o Brésilien  e eu acho muito sensato da parte deles.  Nossa língua, principalmente falada, não tem absolutamente nada a ver com a falada em Portugal. Uma vez, numa fila de check-in em Londres, pensei que estivessem falando alguma língua do Leste europeu e era Português!!! Eu não tinha entendido uma palavra! Isso pra não mencionar a lógica, que se é outra ao pensar, obrigatoriamente tem que ser outra ao falar e escrever. Leia mais

À esquerda: eu no colo da minha mãe, minha avó ao lado, na minha primeira viagem internacional. À direita, meu irmão pequeno com os pais dele. Circulado em verde, meu pai biológico e minha avó paterna, que nunca conheci. A timidez fantasiada de bailarina, no carnaval de 1966.

Em algum dia do final da década de 1950, em Campos do Jordão, provavelmente em um período de férias, Francisco Kenworthy Azevedo e  Palmyra Cordeiro de Mello de Garibaldi Pereira se conheceram e se apaixonaram. Ele, paulistano e filho de um rico industrial do ramo têxtil; ela, uma bela e jovem advogada nascida em Manaus, mas que morava no Rio de Janeiro desde os três anos de idade quando seus pais mudaram para a capital federal.

Francisco beirava os 30 anos, era casado e tinha quatro filhos. O mais velho, que levava seu nome, era chamado pelo apelido Baby. Esse primogênito teve sérios problemas de diabetes, e  veio a falecer ainda rapaz, depois de um transplante de fígado. Não vou tentar ir além porque aí começam as versões.  E versão por versão, fico com a única que me foi contada por mãe, pai, primos e primas: sou fruto de uma paixão avassaladora. Gostei e copiei!

Como hoje é “Dia dos Pais”, a pauta é Francisco Kenworthy Azevedo, meu progenitor. Não sei se esse ano, assim de bate-pronto, consigo ter esse desprendimento a ponto de homenagear essa personagem que entrou com metade dos cromossomos que me deram à vida. Estou me reaproximando dele faz pouco tempo. Ele que morreu dia 28 de março de 1984, doze dias antes de eu completar 23 anos. Ele morreu com a idade que eu tenho hoje, 28 dias depois de completá-la. E só há pouco tempo entendi que as pessoas que marcaram a minha vida só vão morrer junto comigo.

Ao todo, Francisco teve seis filhos. Com certeza, cada um de sua descendência teve seu próprio pai. Na minha vida, essa personagem pai entrou em limitadas participações especiais. Como aqueles atores convidados que só participam das duas primeiras semanas das novelas e depois desaparecem, sabe? Como nossa relação não seguia o modelo usual, demorei pra entender. Aliás, nem sei se entendi.

A partir dos meus 18 anos, empreendi uma “cruzada” para reconquistar ou simplesmente conquistar meu pai. Mas não houve, digamos, entrosamento. Uma noite eu sai com a minha prima, Marina, em São Paulo, dirigindo um dos carros dele. Fomos para a casa da Helô, irmã da Marina, nos jardins. Voltando sozinha, me deparei com uma bifurcação e peguei o caminho errado. Eu tinha 18 anos, não existia celular, mídia social, Waze, GoogleMaps, nada disso. Depois de passar horas perdida por São Paulo, contratei um táxi na Praça da Sé e o segui até a casa do meu pai, em Higienópolis. Entrei em casa animadíssima contando minha aventura noturna por São Paulo, mas o homem estava surtado e foi grosseiro comigo. Como se eu fosse uma criança. Não me criou e, quando me sinto uma adulta, vem me dar bronquinha, qual é?! Fiquei vexada, fui para o meu quarto e no dia seguinte peguei o avião de volta para o Rio.

Vi meu pai pela primeira vez (que eu me lembre) quando eu tinha uns nove ou 10 anos. Tivemos um encontro clandestino. Sim, clandestino, porque o marido da minha mãe era muito ciumento, então ela resolveu apagar a figura do meu pai da minha vida. Na verdade, da vida dela, e eu fui a reboque. A segunda vez que vi meu pai foi no meu aniversário de 15 anos, com a minha mãe já separada do tal marido ciumento. Mas aí a nossa não-relação já não existia. Aos 18 anos, ele foi convidado para o meu almoço de aniversário, afinal, ele estava me dando um carro.  Fiquei quase todo tempo com os meus amigos e, ao final, fui deixá-lo no aeroporto com a minha mãe. Foi depois desse dia que tentei me aproximar.

Da nossa convivência quando eu ainda era um bebê, não tenho nenhum registro consciente. Eu não sei o que é  uma relação de pai e filha, não tive essa oportunidade. Para mim, Francisco sempre foi um homem. Um homem sem rosto que me mandava presentes magníficos e vestidos (como o da foto acima) quando eu era criança Como esquecer daquele edifício-garagem de quatro ou cinco andares com elevadores? Aquilo foi um must , um símbolo que definia poder, que me mostrava que a realidade podia superar, em muito, os meus sonhos.

Naquela época da minha infância, ainda muito tenra, eu devia ter uns quatro anos, estava na moda um brinquedo que era um posto de gasolina em cima de um compensado. Eu devo ter pedido um pra minha mãe e ela deve ter repassado a encomenda para o meu pai. Um belo dia chega lá em casa uma super garagem com vários andares, heliponto no terraço, várias bombas de gasolina no térreo, um escândalo! Tipo “coisa de paulista”.  Eu nunca tinha visto nada parecido e nem sei se desejaria algo tão incrível, mas aquilo ali foi um marco determinante para eu atribuir superpoderes para esse homem sem rosto que morava em outro estado e diziam que era meu pai. Sim, até os cinco anos, eu tinha um pai e podia me referir a ele como pai.

Mas antes de eu completar seis anos, minha mãe se casou novamente e resolveu trocar “meu pai”. Assim, de um dia para o outro, apareceu um cara que a minha mãe conheceu na praia e determinou que eu devia chamá-lo de PAI. Bem, agora que todo mundo dessa narrativa já morreu está tudo resolvido? Claro que não. Mas eu vou perseverando na minha cura.

Hoje, contando sobre aquele posto de gasolina, penso em usar esse episódio para extrair a crença positiva de que minhas realizações podem superar, em muito, meus sonhos. Hoje sou adulta e responsável pela minha vida, pelo que penso e sinto. Eu posso recriar minha história olhando as coisas de outra maneira. Eu agradeço pela família que eu tive. Eles foram as pontes para eu me transformar naquilo que sou e quero ser. Ainda tenho muito que me aprimorar e essa é a minha missão aqui na Terra: ser cada dia o melhor que eu conseguir. Espero reescrever esse texto com uma visão muito mais amadurecida e espiritualizada para compartilhar.#somostodosum

 

Os anos 70 entraram trazendo a novela Pigmaleão 70, de Vicente Sesso. Eu tinha apenas nove anos e não me lembro se eu assistia ou não, mas cheguei a me sentir com aquela idade quando ouvi, hoje, depois de muitas décadas, as notas da trilha sonora. Tônia Carrero estava no auge da beleza e, não sei se era nessa novela, mas ela fumava direto nas novelas. E pelo comprimento do cigarro e pelas marcas existentes no mercado, o cigarro com certeza era Charm, ou seja, a mensagem que eu recebia era que “o importante é ter charm”.

Por estranho que pareça, não encontrei fotos da Tônia fumando no google. Encontrei esse vídeo https://images.app.goo.gl/FTA2VReBrkhiaKen7 que infelizmente não é da década que eu estava procurando e sim de Água Viva, uma novela que tenho especial carinho.

Minha mãe sempre fumou e tinha aquele jeitão seguro, de quem sabe o que quer e o que faz, sabe? Então, acredito que a primeira vez que me tranquei num banheiro sem janela com um cigarro da marca Charm, acendi e fiquei fazendo poses iguais a da Tônia Carrero soltando fumaça, não estava imitando minha mãe, e sim a Tônia, aquele modelo de mulher. Para me atrapalhar, minha mãe ainda resolveu fumar Continental sem filtro, pode?

Aliás, em outra época da minha vida,também comprava e fumava em público Continental sem filtro para fazer o estilo masculinizado, como se isso demonstrasse alguma autossuficiência.

Agora, que tento parar de fumar, puxo lá na minha mais tenra memória de onde começou essa babaquice que se tornou um hábito e o que mais?! Essa é a minha pergunta.

 

Quem diria, tanta aversão à exposição e aqui estou eu, tão excitada, por falar em praça pública. Sempre tive dificuldade com o julgamento alheio. Durante um teste de vídeo para o Fantástico, quando eu tinha uns 30 anos, todo o lado esquerdo do meu rosto paralisou de tanta tensão. Se eu não estivesse tão preocupada com o julgamento alheio, provavelmente teria me saído muito bem. Hoje, vejo a diversidade crescendo no jornalismo televisivo e constato como muita coisa melhorou nos últimos anos.

Naquela ocasião, eu botava uma barra tão alta pra mim mesma, mas tão alta, que só a perfeição era aceitável. Eu não sei como teria sido minha vida se eu tivesse passado naquele teste, mas tenho tantos interesses que também gosto da versão que foi de fato vivida por mim e cujas experiências me transformaram (com a minha inteira participação e interpretação) no que sou agora.

Agora estou reescrevendo, de várias formas e por ângulos diversos, a minha história. Dessa maneira, acredito que ajudo a mim e a outras pessoas. Trata-se de um projeto experimental, uma espécie de alquimia da palavra, mas não só da palavra. Estou escrevendo, mas também estou imaginando outras formas de expressão. Afinal, somos seres com potencial infinito e não precisamos nos limitar.

Há alguns anos venho tentando ouvir meu coração, buscando meu real propósito, minha verdade. E, de repente, em 2019, tudo ficou claro. Abri uma frestinha no meu coração, e aproveitei para entrar e perceber como me sinto bem aqui dentro. Quando isso aconteceu, havia um homem muito presente na minha vida. Então, essa emoção maravilhosa que me fez chorar de felicidade, se misturou com o que eu sinto ou sentia por ele, e embolou tudo, como a gente se embola quando leva um caldo de uma onda e vem rolando com ela de volta à areia.

De repente, meu sentimento por ele se tornou arrebatador e eu acreditei que a recíproca era verdadeira. Aquele amor intenso e apaixonado brotou no meu coração depois de muitas décadas adormecido. Tive a sensação de estar entrando no meu coração. Aí eu relaxei e gozei de verdade, como há tempos não gozava.

Infelizmente, ainda não aprendi a andar por aí de coração aberto. Meu ego não me deixa. Então, apelei para Sofia, que volta depois de nove anos. Sofia é mais que um alter-ego, eu conto com ela para me salvar quando sinto que posso me perder nesse espaço de vulnerabilidade. Sofia é minha “fórmula de emergência” : Sofia-rescue.  

Sem defesas, quero curtir essa onda boa que a gente só encontra quando se permite ficar vulnerável. A música me leva para esse lugar. Então dei continuidade a história de Sofia de uma maneira bem peculiar, escolhendo uma trilha sonora que traduz o atual estado de espírito da minha personagem. Estou muito apaixonada por ter me reencontrado com a minha verdade ( que sempre foi e será uma só) para conseguir me separar da Sofia.

Mas ela é tão danadinha que não consigo manter minha rédea curta e, quando vejo, ela está fazendo e falando o que quer sem que eu possa controlá-la. Então, por favor, se Sofia falar verdades inconvenientes, não me responsabilizem. Ela é essa pessoa: intensa, sem censura, querendo cada vez mais se aprofundar na própria verdade. Tanto que Sofia abriu a guarda e, quando viu, estava apaixonada. Nesse estado de “demência”, oxitocinas completamente baratinadas, nessa entrega total absoluta.

Ah, não sei se vocês se lembram do livro que Sofia, eu e Consuelo Dieguez lançamos em 2010 #seuprincipepodeserumacinderela. Sofia, como uma das duas autoras, também teve um “piripaque”. E é essa outra história que vou contar.