#labirintoautobiográfico. Diário e lembranças dos 7 aos 14 anos, ocorridos entre o dia 9 de Abril de 1968 e o mesmo dia do ano 19775.

À esquerda: eu no colo da minha mãe, minha avó ao lado, na minha primeira viagem internacional. À direita, meu irmão pequeno com os pais dele. Circulado em verde, meu pai biológico e minha avó paterna, que nunca conheci. A timidez fantasiada de bailarina, no carnaval de 1966.

Em algum dia do final da década de 1950, em Campos do Jordão, provavelmente em um período de férias, Francisco Kenworthy Azevedo e  Palmyra Cordeiro de Mello de Garibaldi Pereira se conheceram e se apaixonaram. Ele, paulistano e filho de um rico industrial do ramo têxtil; ela, uma bela e jovem advogada nascida em Manaus, mas que morava no Rio de Janeiro desde os três anos de idade quando seus pais mudaram para a capital federal.

Francisco beirava os 30 anos, era casado e tinha quatro filhos. O mais velho, que levava seu nome, era chamado pelo apelido Baby. Esse primogênito teve sérios problemas de diabetes, e  veio a falecer ainda rapaz, depois de um transplante de fígado. Não vou tentar ir além porque aí começam as versões.  E versão por versão, fico com a única que me foi contada por mãe, pai, primos e primas: sou fruto de uma paixão avassaladora. Gostei e copiei!

Como hoje é “Dia dos Pais”, a pauta é Francisco Kenworthy Azevedo, meu progenitor. Não sei se esse ano, assim de bate-pronto, consigo ter esse desprendimento a ponto de homenagear essa personagem que entrou com metade dos cromossomos que me deram à vida. Estou me reaproximando dele faz pouco tempo. Ele que morreu dia 28 de março de 1984, doze dias antes de eu completar 23 anos. Ele morreu com a idade que eu tenho hoje, 28 dias depois de completá-la. E só há pouco tempo entendi que as pessoas que marcaram a minha vida só vão morrer junto comigo.

Ao todo, Francisco teve seis filhos. Com certeza, cada um de sua descendência teve seu próprio pai. Na minha vida, essa personagem pai entrou em limitadas participações especiais. Como aqueles atores convidados que só participam das duas primeiras semanas das novelas e depois desaparecem, sabe? Como nossa relação não seguia o modelo usual, demorei pra entender. Aliás, nem sei se entendi.

A partir dos meus 18 anos, empreendi uma “cruzada” para reconquistar ou simplesmente conquistar meu pai. Mas não houve, digamos, entrosamento. Uma noite eu sai com a minha prima, Marina, em São Paulo, dirigindo um dos carros dele. Fomos para a casa da Helô, irmã da Marina, nos jardins. Voltando sozinha, me deparei com uma bifurcação e peguei o caminho errado. Eu tinha 18 anos, não existia celular, mídia social, Waze, GoogleMaps, nada disso. Depois de passar horas perdida por São Paulo, contratei um táxi na Praça da Sé e o segui até a casa do meu pai, em Higienópolis. Entrei em casa animadíssima contando minha aventura noturna por São Paulo, mas o homem estava surtado e foi grosseiro comigo. Como se eu fosse uma criança. Não me criou e, quando me sinto uma adulta, vem me dar bronquinha, qual é?! Fiquei vexada, fui para o meu quarto e no dia seguinte peguei o avião de volta para o Rio.

Vi meu pai pela primeira vez (que eu me lembre) quando eu tinha uns nove ou 10 anos. Tivemos um encontro clandestino. Sim, clandestino, porque o marido da minha mãe era muito ciumento, então ela resolveu apagar a figura do meu pai da minha vida. Na verdade, da vida dela, e eu fui a reboque. A segunda vez que vi meu pai foi no meu aniversário de 15 anos, com a minha mãe já separada do tal marido ciumento. Mas aí a nossa não-relação já não existia. Aos 18 anos, ele foi convidado para o meu almoço de aniversário, afinal, ele estava me dando um carro.  Fiquei quase todo tempo com os meus amigos e, ao final, fui deixá-lo no aeroporto com a minha mãe. Foi depois desse dia que tentei me aproximar.

Da nossa convivência quando eu ainda era um bebê, não tenho nenhum registro consciente. Eu não sei o que é  uma relação de pai e filha, não tive essa oportunidade. Para mim, Francisco sempre foi um homem. Um homem sem rosto que me mandava presentes magníficos e vestidos (como o da foto acima) quando eu era criança Como esquecer daquele edifício-garagem de quatro ou cinco andares com elevadores? Aquilo foi um must , um símbolo que definia poder, que me mostrava que a realidade podia superar, em muito, os meus sonhos.

Naquela época da minha infância, ainda muito tenra, eu devia ter uns quatro anos, estava na moda um brinquedo que era um posto de gasolina em cima de um compensado. Eu devo ter pedido um pra minha mãe e ela deve ter repassado a encomenda para o meu pai. Um belo dia chega lá em casa uma super garagem com vários andares, heliponto no terraço, várias bombas de gasolina no térreo, um escândalo! Tipo “coisa de paulista”.  Eu nunca tinha visto nada parecido e nem sei se desejaria algo tão incrível, mas aquilo ali foi um marco determinante para eu atribuir superpoderes para esse homem sem rosto que morava em outro estado e diziam que era meu pai. Sim, até os cinco anos, eu tinha um pai e podia me referir a ele como pai.

Mas antes de eu completar seis anos, minha mãe se casou novamente e resolveu trocar “meu pai”. Assim, de um dia para o outro, apareceu um cara que a minha mãe conheceu na praia e determinou que eu devia chamá-lo de PAI. Bem, agora que todo mundo dessa narrativa já morreu está tudo resolvido? Claro que não. Mas eu vou perseverando na minha cura.

Hoje, contando sobre aquele posto de gasolina, penso em usar esse episódio para extrair a crença positiva de que minhas realizações podem superar, em muito, meus sonhos. Hoje sou adulta e responsável pela minha vida, pelo que penso e sinto. Eu posso recriar minha história olhando as coisas de outra maneira. Eu agradeço pela família que eu tive. Eles foram as pontes para eu me transformar naquilo que sou e quero ser. Ainda tenho muito que me aprimorar e essa é a minha missão aqui na Terra: ser cada dia o melhor que eu conseguir. Espero reescrever esse texto com uma visão muito mais amadurecida e espiritualizada para compartilhar.#somostodosum