Em Busca do Tempo Perdido

Essa é minha coleção da La Pléiade. Mas também tenho completa em Português

Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, transcende qualquer noção de uma leitura excepcional e enriquecedora. Para mim, foi uma imersão em um universo que desvelou camadas antes invisíveis da realidade. Uma experiência que me proporcionou, ouso dizer, uma verdadeira expansão de consciência.

É como se Proust enxergasse além do que normalmente somos capazes de ver. A maneira como ele captura nuances da vida das pessoas e a capacidade de transmiti-las parece transcender os limites da linguagem. Ele não apenas teve o tempo, mas também o talento e a perseverança para transformar essa percepção única em palavras.

Ele nos ensina que o tempo não é linear, mas sim um labirinto onde o passado e o presente se entrelaçam de maneira imprevisível. A famosa cena da madeleine é apenas a mais emblemática de uma série de momentos que mostram como as memórias involuntárias podem nos reconectar com quem fomos, enquanto nos ajudam a compreender quem somos. É uma narrativa que exige de nós não apenas atenção, mas entrega – uma espécie de pacto silencioso com o autor, em que aceitamos abandonar a pressa do cotidiano para mergulhar na contemplação dos detalhes.

As Grandes Transições da Modernidade

Enquanto desvela a alma humana, Proust nos apresenta um mundo em transformação. Ele escreve a partir do limiar de dois séculos, retratando com uma precisão quase documental as mudanças que marcaram o fim do século XIX e o início do século XX. É uma época de transições: a aristocracia cede espaço à ascensão da burguesia, os salões da alta sociedade começam a perder o brilho exclusivo e a modernidade emerge com suas inovações tecnológicas – como o relógio de pulso, os automóveis e as linhas de trem que encurtam distâncias, mas, paradoxalmente, ampliam o abismo entre as pessoas.

Proust não apenas narra esses eventos; ele os vive e os faz viver em nós. O Caso Dreyfus, a Primeira Guerra Mundial, a mudança no papel social das mulheres e o novo ritmo da vida urbana não são apenas pano de fundo para sua narrativa. Esses eventos são incorporados aos dramas pessoais e coletivos de seus personagens, tornando-se inseparáveis da introspecção psicológica que define sua obra.

Ler Proust é caminhar pelos salões da alta sociedade francesa como um observador privilegiado. É perceber, através de suas descrições, como as estruturas de poder e status se reorganizam, enquanto o comportamento humano, em sua essência, permanece inalterado. As ambições, as paixões, as fraquezas e os anseios descritos por Proust são, de forma impressionante, tão contemporâneos hoje quanto eram em sua época.

Uma Obra para Poucos?

Sempre me pergunto por que tão poucas pessoas se aventuram a ler toda a obra de Proust. Todos conhecem a famosa madeleine, mas quantos realmente mergulharam nos sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido?

Durante a pandemia de Covid-19, coordenei um grupo de leitura online para explorar a obra, e apenas três participantes chegaram ao final do primeiro volume. Nenhum deles continuou para o segundo, adiando a leitura para uma “outra ocasião” – um adiamento que sabemos, no fundo, que jamais se concretizará.

Será que é mesmo a falta de tempo a desculpa verdadeira? Ou seria o ritmo exigente da narrativa de Proust que assusta, em um mundo acostumado a respostas rápidas e gratificações imediatas? Proust exige paciência, concentração e uma disposição para explorar os recantos mais escondidos da mente e da memória. Talvez isso seja o que afasta muitos leitores, mas é também o que torna sua obra tão recompensadora para aqueles que se dispõem a enfrentá-la.

Uma Experiência Transformadora

Em Busca do Tempo Perdido é, para mim, a obra-prima definitiva porque nos força a ver o mundo de outra forma. Cada descrição minuciosa, cada frase longa e cheia de nuances, nos convida a reconsiderar o que damos como certo na vida. Proust me ensinou a desacelerar, a prestar atenção ao invisível, a valorizar os momentos que parecem insignificantes – porque, no fundo, é ali que reside a essência da vida.

Ler Proust foi uma experiência transformadora, um divisor de águas na minha vida. Ele não apenas ampliou minha compreensão do mundo, mas também me fez questionar o que é verdadeiramente essencial. E, ao final da leitura, senti que não havia apenas conhecido novos personagens ou um novo período histórico; havia conhecido uma nova versão de mim mesma.

Proust nos lembra que o tempo não se perde. O que se perde é a nossa capacidade de perceber sua profundidade e de nos conectar com ele. Sua obra não é apenas um convite à leitura, mas um convite à vida – à vida vista com os olhos de quem sabe que, no fundo, são os detalhes e as memórias que realmente importam.

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